domingo, 29 de maio de 2016

UM CASO REAL

  Ademilson foi meu primeiro namorado. Nós nos amávamos tanto que decidimos casar super cedo – eu tinha 14 anos e ele, 16 – e cinco meses depois eu já estava grávida. Tivemos dois filhos, a Luana, de 24 anos, e o Luan, de 23. E fomos muito felizes até a madrugada daquele 5 de setembro de 1998. O Ademilson tinha saído para ver uns amigos e não voltou na hora combinada! Estranhei, ele sempre avisava quando ia atrasar. Veio a noite, o dia amanheceu... e nada! Como não tinha celular na época, esperei dar 7 h, que era a hora em que ele entrava no trabalho, e liguei na firma atrás dele.
Quando soube que meu homem não tinha ido trabalhar, me desesperei e liguei para o pronto-socorro. A recepcionista disse que ele estava internado: havia levado um tiro na cabeça numa briga. Ingênua, cheguei ao hospital assustada, mas achando que meu marido seria operado e tudo ficaria bem. Não poderia estar mais enganada: o Ademilson teve morte encefálica e faleceu três dias depois. 
  Como ele era doador e seus órgãos estavam intactos, os médicos sugeriram a doação. A princípio, eu resisti. Estava sofrendo demais, não queria ter que pensar nisso também. Até que um médico disse: “Sei que o grande amor da sua vida morreu, mas doar os órgãos dele é um jeito de deixá-lo vivo em outras pessoas”. Ele tinha razão! Doei rins, córneas e coração. Assim, Ademilson “ficou vivendo” em cinco pessoas. Um ano depois, um homem bateu palma no nosso portão. Quando apareci, ele disse: “Muito prazer, meu nome é Celedino e sou o rapaz que recebeu o coração do seu marido”.
  Fiquei paralisada. Nem minha voz saía. Apesar de ter aprovado a doação, eu não quis ter contato com os receptores. Eles me lembravam da morte do Ademilson. Só que o Celedino é budista e, de acordo com seus princípios, deveria agradecer a quem o ajudou. Por isso, mesmo morando a 300 km de mim, arranjou meu endereço no hospital e veio bater na minha porta. Quando me recuperei um pouco do baque, estendi a mão para cumprimentar o Celedino. Ele me puxou, me abraçou forte e disse: “Sinta o coração do seu marido bater!” Fiquei tão comovida que minhas pernas amoleceram. Unidos por aquela emoção, firmamos uma amizade muito bacana. Ele entrou, conheceu as crianças e criou uma afeição muito grande por elas. Para você ter uma ideia, às vezes eu estava trabalhando na loja em que era vendedora e o Celedino, que sempre fazia exames de rotina no hospital perto de casa, passava lá para levar as crianças à escola.
  Ele não teve filhos biológicos (naquela época, era casado com outra pessoa) e acabou adotando os meus. Não sei, acho que ele tinha a sensação de que devia algo para a gente. Mas nunca cobrei nada, apenas gostava da amizade que tínhamos criado.Notei que o Celedino era muito parecido com o Ademilson Nessa convivência, notei coincidências assustadoras entre Celedino e meu falecido marido. Ambos eram muito gentis, faziam amigos fácil e amavam Raul Seixas. A coleção de discos que o Celedino tinha do cantor baiano era idêntica à do Ademilson!
  Dois anos depois de nos conhecermos, o Celedino se divorciou e abriu uma oficina de pintura de moto na minha cidade. Um dia, fui levá-lo até o portão e acabamos nos beijando. Que susto! Juro que nunca havia olhado para ele com olhos de amor. Tinha, inclusive, outros namoricos. Celedino abriu o jogo: estava a fim de mim. No início, resisti. Me senti um pouco culpada por me envolver com o homem que carrega o coração do meu falecido marido. Mas meus filhos fizeram campanha, pediam que eu ficasse com o “novo pai” deles – pois é, eles chamavam o Celedino de pai. Aí, fui me envolvendo e me entreguei.  
  E olha que maluco: o Celedino passou a me chamar de “gata”, o mesmo apelido que meu falecido marido tinha me dado. Nós não nos casamos de fato, mas moramos juntos há 12 anos. Foi a melhor coisa que me aconteceu depois que o Ademilson foi embora. Não tivemos filhos porque fiz laqueadura aos 17 anos. Mas nossa família é muito unida, todo mundo gosta do Celedino e aprova nosso amor. Como se fosse a peça que estava faltando no quebra-cabeça da minha vida, ele se encaixou direitinho. Assim como o coração do Ademilson encaixou no Celedino: o prazo limite para um transplante é de dez anos, e o coração do meu amor continua batendo sem nenhum problema há quase 16! Tudo conspira a nosso favor, porque o Celedino é o segundo grande amor da minha vida.

Autor: Revista Sou mais eu
Publicado em: 13/07/2015


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Pesquisa na Internet poe Sônia Lúcia

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